O uso de celulares na sala de aula tem sido um tema de debate constante no Brasil, gerando discussões que envolvem educadores, especialistas, pais e alunos sobre os benefícios e desafios dessa tecnologia no ambiente escolar, especialmente no que diz respeito à sua influência no aprendizado, no comportamento dos estudantes e nas estratégias pedagógicas adotadas pelos professores.
Esse recurso, já amplamente integrado ao cotidiano dos estudantes fora da escola, apresenta tanto benefícios quanto desafios no contexto educacional, pois, embora ofereça possibilidades para enriquecer a aprendizagem e facilitar o acesso a conteúdos digitais, também pode se transformar em um fator de distração se não for usado de forma estratégica. Isto é, quando utilizado de forma planejada, o celular pode enriquecer o ensino, mas, se for empregado sem critérios claros, pode se transformar em um fator de distração e prejuízo ao aprendizado.
Por um lado, os celulares oferecem uma gama de possibilidades pedagógicas. Eles podem ser ferramentas acessíveis e práticas para escolas que enfrentam limitações de recursos tecnológicos mais avançados, como laboratórios, tablets, notebooks, entre outros. Os celulares podem ser utilizados para pesquisas rápidas, acesso a dicionários online, aplicativos educacionais e até mesmo para personalização de atividades de acordo com as necessidades individuais de cada aluno. Isso demonstra que, com uma orientação clara, o dispositivo pode se transformar em um aliado do ensino.
Contudo, o uso de celulares exige planejamento e preparo docente para que realmente favoreça o aprendizado dos alunos. Não se trata apenas de disponibilizar os dispositivos, mas de saber como utilizá-los de maneira estratégica dentro da rotina escolar.
O professor precisa estabelecer um plano claro para a integração do celular nas atividades pedagógicas, determinando previamente quais recursos e aplicativos serão usados, de que forma e com qual propósito. Sem um planejamento bem estruturado, o celular pode facilmente se transformar em uma distração, prejudicando o foco dos alunos nas atividades propostas. Alunos podem, por exemplo, desviar para redes sociais ou jogos durante as aulas, enfraquecendo o foco na aprendizagem.
Essa utilização inadequada dos celulares tem mobilizado estudos. Relatórios internacionais destacam que, sem supervisão adequada, os dispositivos podem se tornar uma fonte de distração. No Estudo PISA 2022, mais de 80% dos jovens de 15 anos na Finlândia relataram ser distraídos por dispositivos digitais durante as aulas de matemática, destacando a natureza generalizada das distrações entre os alunos.
Esse cenário também evidenciou um declínio nas pontuações em ciências e leitura, refletindo o impacto das distrações digitais no desempenho acadêmico dos estudantes nesse país. Esse dado reflete a crescente influência dos dispositivos digitais, como os celulares, que têm impacto direto no desempenho acadêmico e no bem-estar dos estudantes.
Fatores como as distrações causadas pelos celulares podem reduzir a capacidade cognitiva dos alunos, com estudos apontando que a proximidade de telefones durante as aulas prejudica o desempenho cognitivo. Além disso, o bem-estar dos alunos também é afetado, com um aumento na prevalência de problemas como depressão e ansiedade.
Para que a integração do celular ao ensino seja bem-sucedida, é essencial reconhecer que muitos professores ainda enfrentam dificuldades em incorporar a tecnologia ao currículo de maneira significativa. A falta de confiança no uso eficaz dessas ferramentas pode levar à resistência ou ao uso inadequado, comprometendo os benefícios potenciais do celular como recurso pedagógico.
Segundo a Unesco (2023), “alguns professores não têm formação para usar dispositivos digitais de forma eficaz. Os professores mais velhos podem ter dificuldades de acompanhar as rápidas mudanças tecnológicas“. Essa lacuna destaca a importância de investir em formação continuada e no desenvolvimento de competências digitais para os educadores.
É essencial oferecer capacitações práticas que demonstrem como integrar tecnologias ao currículo de maneira alinhada aos objetivos pedagógicos, permitindo que os professores experimentem novas abordagens em um ambiente controlado e seguro. Além disso, criar comunidades de aprendizagem dentro da escola pode facilitar a troca de experiências e o compartilhamento de boas práticas, fortalecendo a confiança dos docentes no uso das ferramentas tecnológicas.
Prover suporte técnico e recursos adequados também é fundamental para garantir que os professores se sintam preparados e amparados nesse processo, além de estabelecer parcerias com instituições especializadas em formação tecnológica, que podem ampliar ainda mais as possibilidades de aprendizado, contribuindo para uma integração mais eficaz e significativa da tecnologia no ambiente escolar.
Uma estratégia para mitigar problemas relacionados a desvios da utilização dos dispositivos móveis, mencionados anteriormente, é a implementação de controles e o monitoramento dos dispositivos dentro do ambiente escolar. Ferramentas de gerenciamento digital podem permitir que os professores acompanhem, em tempo real, o que está sendo acessado pelos alunos.
Com o auxílio de aplicativos de gerenciamento, os professores podem restringir o acesso a aplicativos não pedagógicos e garantir que os alunos permaneçam focados nas tarefas propostas. Assim, o uso consciente e supervisionado dos celulares promove um ambiente mais controlado e produtivo.
Existe a possibilidade de implementar políticas de “traga seu próprio dispositivo” (Bring Your Own Device – BYOD). Essa abordagem permite que os alunos utilizem seus próprios celulares e outros dispositivos móveis em atividades educacionais supervisionadas. Com essa estratégia, é possível desenvolver trabalhos voltados a pesquisas guiadas, aulas interativas, produção de conteúdo, leitura, criação de portfólios digitais, além de feedback em tempo real. Ou seja, o BYOD contribui para tornar as aulas mais dinâmicas e modernas ao utilizar dispositivos que já fazem parte do cotidiano dos alunos, aproveitando sua familiaridade com a tecnologia para potencializar o aprendizado.
Entendemos que ambientes de sala de aula mais estruturadas podem apoiar e favorecer o aprendizado. Como exemplo, o Pew Research Center (2013) mostra que 73% dos professores de Programas Avançados (AP) e Programas de Escrita e Redação (NWP) relatam que os celulares se tornaram parte do ensino e das tarefas em suas salas de aula, sugerindo que a integração de tecnologia deve ser feita de forma cuidadosa para não prejudicar a aprendizagem.
A Unesco (2023) alerta que os limites e as regras devem ser claros para que o uso do celular na sala de aula tenha um recorte exclusivamente pedagógico. Este alerta destaca a necessidade de estabelecer uma abordagem equilibrada e bem definida quanto ao uso de dispositivos móveis no contexto educacional, para que os benefícios do uso da tecnologia sejam aproveitados sem comprometer a concentração e o desempenho dos estudantes.
Portanto podemos destacar que o uso de dispositivos móveis de maneira controlada pode ampliar as oportunidades de aprendizado, especialmente com o uso de aplicativos educativos, que incentivam a aprendizagem personalizada e a colaboração entre os estudantes. No entanto, é fundamental que a implementação dessas tecnologias seja acompanhada de uma formação contínua para os educadores, que precisam estar preparados para gerenciar tanto os dispositivos quanto as interações em sala de aula de forma eficaz. Com um planejamento adequado, o celular pode se tornar uma ferramenta poderosa para enriquecer a experiência educacional e apoiar o desenvolvimento das competências dos alunos.
O celular na sala de aula deve ser encarado como uma oportunidade de inovar e complementar as práticas pedagógicas tradicionais, mas exige equilíbrio, planejamento e preparo. A integração do celular ao processo de ensino-aprendizagem deve ser acompanhada por estratégias claras e objetivos pedagógicos bem definidos. Quando utilizado de forma estruturada, o celular pode se transformar em uma ferramenta valiosa, aproximando a educação das demandas da sociedade contemporânea.
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Referências
PEW RESEARCH CENTER. Part III: Bringing Technology into the Classroom. 2013. Disponível em: https://www.pewresearch.org/internet/2013/02/28/part-iii-bringing-technology-into-the-classroom/. Acesso em: 03 dez. 2024.
UNESCO. Tecnologia na educação: uma ferramenta a serviço de quem? Relatório de Monitoramento Global da Educação. 2023. Disponível em: https://unesdoc.unesco.org/ark:/48223/pf0000386147_por. Acesso em: 03 dez. 2024.
ORGANIZAÇÃO PARA A COOPERAÇÃO E DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO (OCDE). PISA – Programa Internacional de Avaliação de Estudantes. Disponível em: https://www.oecd.org/en/about/programmes/pisa.html. Acesso em: 3 dez. 2024.
Autor: David Marcelo P. Berto. Mestrando em Educação pela Universidad Europea del Atlántico (Santander, Espanha). Professor de Língua Inglesa há mais de 15 anos. Atua como coordenador do Programa Línguas Estrangeiras na Planneta Educação, uma empresa do Grupo Vitae Brasil.